Figueira da Foz, 25 de abril de 2021 –
As nuvens passam, e deixam cair por terra o tempo. Desvanecem-se as memórias das tuas feições, essas curvas e linhas que tanto me dão gosto apreciar quando estou na tua presença.
Agora, o sol brilha. Agora, os pássaros cantam. Mas, quando estou contigo, ouço apenas um mar, que me convida; vejo apenas um horizonte infindável nos teus olhos. Porque me atrais tanto? Porque não estás comigo? Sinto-te, mas não te tenho e, por muito que queira sorrir por saber que olhas para mim quando o fazes, acercam-se-me sempre as duvidosas incertezas.
Quero-te bem, quero… nada mais do que olhar pela janela e ver o teu reflexo num brilho de sol. Quero-te ver nas nuvens brancas do amanhecer, na aragem suave do entardecer, na escrita destas horas vagas.
Porque me deixas com tanto desalento? Se te vejo em sonhos, choro porque não estás lá; se te sinto em mim, choro porque não estás aqui. Quero deixar-te mensagens, códigos, jogos, brincadeiras. Talvez o possa fazer. Mas como? Não quero que me julguem, que nos julguem, que te julguem. Não sei viver sem paixonetas. E tu não és nada mais do que uma. Lamento. É assim que me sinto. Amo-te. Amo-me.
Amo-te para me amar, para me respeitar, para me sentir, para me viver, para me respirar.
Amo-te, mas não sei como to dizer. Mas amo-te. Amo-te realmente? Amo esse teu olhar doce, as tuas palavras deliciosas, os teus comentários nobres (sim, eu ouço-os) e a ti. Amo-te a ti. Acho eu. Acha um eu em mim dentro. E eu amo-o.
Não sei senão escrever o que sinto e preciso sempre de alguém a quem o escrever. Escrever por escrever não me satisfaz: preciso de um propósito, um desabafo, um olhar mais cruel ou mais racional sobre o que penso e sinto e quero. Sobre ti. Sobre nós. Sobre mim.
(Que as minhas prioridades estão trocadas, sei-o eu. E talvez mais alguéns, mas sobretudo eu mesma.)
Sobre nós. Sobre ti. És bela e sinto algo especial quando estou contigo. Esse algo sou eu. Sinto-me especial. És bela e, quando olhas para mim, sinto que me olhas com a tua alma inteira, sem haver vazios, nem aflições, nem ‘porquês’, nem limões. Era só para rimar. Será que gostas de kiwis? Desculpa, é que eu não. Divago muito, isso sim. És bela e maravilhas-me com esse teu jeito de falar. É um pouco estranho, devo admitir, mas, agora, gosto de o ouvir. Gosto de te ouvir. Muito. Adoro ouvir-te. Amo ouvir-te. Amo-te?
Antes, pensava que só se vivia uma vez. Que é preciso aproveitar a vida. Que cada dia que passa nos dá menos tempo, tempo esse para ser feliz e realizada. Mas já não. Agora, não. Agora, só quero viver contigo, que me contes as mentiras mais bonitas, as verdades mais falaciosas e quero acreditar em ti. Que me digas que não dói. Que, aqui, onde me sento a escrever, (ainda não ou) nunca chorei amargamente. Por quem eu não esqueci. Por quem não viveu o suficiente. Por quem não sabe quanto é o suficiente. Por quem já não viveu. Quem não vive já. Não vive. Não.
Não.
Não. Não quero viver. Não quero viver sabendo. Viver sabendo que não vivem. Que eles não vivem. Os meus fantasmas. Os que me dão medo de poder alguma vez sonhar com eles. Não quero vê-los. Eles não vivem. Mas estão dentro de mim. Se eu for viva, quererá dizer que eles estão vivos? E se eu estiver morta? Quero não-viver. Pela dor. Pela morte.
Voltar onde os vi, onde me via, vivos, ambos, todos, é morrer por dentro. Este lápis vive, viverá, sempre haverá vestígio dele. Nestas páginas, no lixo, no pó ao qual voltará com o passar do tempo. Viverá mais do que eu. Mais do que eles. Os fantasmas. Os não-vivos, que vivem nas paredes da minha memória. Por eles, ‘vivo’. Queria que isso fosse verdade. Queria que mo dissesses ao ouvido, numa noite de luar, num campo de erva fresca e húmida, num país estrangeiro, numa época de paz e saúde… Não quero saber. Da verdade. Diz-mo. Ao ouvido.
As contorções do meu enjeitado corpo acordado jamais demonstrarão tudo o que sinto e penso e quero. Mas – meu amor, que não és minha, nem nunca serás – que as minhas palavras, por ocas que sejam, te sirvam de consolo. Elas apaziguam a minha alma (quando estou viva) e fazem-me sentir viva (quando não o esteja).
És bela.
És vida.
Sofia Rainho
